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quarta-feira, 5 de julho de 2017

A catedral e a luz imaterial do sacrifício litúrgico perfeito

Missa numa capela lateral de uma catedral
Missa numa capela lateral de uma catedral
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





O conhecimento geral da liturgia facilita a tarefa do artista, que se verga quase por instinto às suas exigências.

Assim, nos nossos dias o altar está a maior parte das vezes mais elevado, para permitir aos fiéis seguir com a vista as cerimônias.

Outrora, era sobretudo através do canto e das orações vocais que os fiéis a elas se associavam, donde o extremo cuidado com a acústica: alternância das arcadas, ordenação das abóbadas, etc.

Sobretudo há o problema da luz. Certas épocas preferiram igrejas sombrias, pois considerava-se que a obscuridade favorece o recolhimento.

Mas na Idade Média se amava a luz, e a grande preocupação foi ter santuários cada vez mais claros.

Pode-se dizer que todas as descobertas da técnica arquitetônica tenderam a possibilitar mais espaços livres na construção, para que as imensas vidraças pudessem deixar passar cada vez mais sol e iluminar sempre melhor o esplendor do ofício religioso.

Em Beauvais, por exemplo, a parede serve apenas para enquadrar as partes de vitral, e o faz com uma ligeireza assustadora, excessiva mesmo, já que o edifício nunca pôde ser continuado para além do transepto.

No entanto, mais ainda do que a beleza, a solidez é que era visada. Nada se compreendeu de uma catedral gótica antes de se saber que o volume de pedra enterrado no solo, para o trabalho das fundações, ultrapassa o da pedra erguida para o céu.

Sob essa aparente fragilidade, sustentando as gráceis colunetas e as flechas rendilhadas, esconde-se uma poderosa armação de pedra, obra paciente e robusta.



Todas as obras da Idade Média possuíam sólida fundação, que não se descobre à primeira vista, tal é a ligeireza e a fantasia com que sabe ocultar-se.

Sob a aparente fragilidade de gráceis colunetas e flechas rendilhadas, esconde-se uma poderosa armação de pedra. Catedral de Rouen, França.
Sob a aparente fragilidade de gráceis colunetas e flechas rendilhadas,
esconde-se uma poderosa armação de pedra. Catedral de Rouen, França.
Quanto à decoração, também a beleza não provém senão da utilidade.

Não há pormenor de ornamentação que não esteja submetido a um pormenor de arquitetura, nada é deixado ao acaso naquilo que nos parece pura exuberância de imaginação.

Em certas igrejas os painéis esculpidos seguem rigorosamente a disposição do aparelho. É muito visível em Reims, no famoso baixo-relevo da Communion du Chevalier (Comunhão do Cavaleiro).

Zomba-se por vezes da rigidez, da “ingenuidade” (sempre ela!) de certas estátuas, como as que ornamentam o pórtico de Chartres, mas trata-se na realidade de uma rigidez intencional, de nenhum modo rígida, uma vez que a estátua mais não é do que a animação do fuste, devendo as suas linhas subordinar-se às linhas retas e apertadas de uma fileira de colunas.

Quando contemplamos essas pedras cinzentas das nossas catedrais, e as suas esculturas, somos tentados a ver nelas o triunfo do desenho, mas de fato a cor explodia em toda parte.

Não apenas nas pinturas ou no vitral, mas também na pedra.

Não é exato falar-se do tempo em que as catedrais eram “brancas”, pois nelas a explosão da cor, tanto no interior como no exterior, prolongava a da luz. Era um mundo cintilante, em que tudo se animava.

É claro que os tons eram sabiamente combinados. Por vezes vivos e exuberantes, vastos frescos cobriam espaços hoje insípidos.

Catedral de Salisbury, Inglaterra: a solidez ancorada na terra e a delicadeza da fantasia requintada
Catedral de Salisbury, Inglaterra: a solidez ancorada na terra
e a delicadeza da fantasia requintada
Um conjunto como o de Saint-Savin, ou os restos de pinturas de Saint-Hilaire de Poitiers, bastam para dar uma idéia do efeito produzido.

Noutros locais, sublinhavam com um simples friso a curva de uma ogiva, faziam sobressair uma aresta ou salientavam uma viga.

Realçavam igualmente as esculturas, não por meio das mornas gradações que fizeram a lamentável reputação dos modernos “objetos de piedade”, mas com tons francos fazendo corpo com a pedra.

Os seus vestígios, infelizmente demasiado raros, manifestam a mestria com que a Idade Média soube manejar a cor, e a ousadia com que a utilizou.

Nas suas catedrais, mais uma vez, o mundo medieval é um mundo colorido.

Infelizmente, é raro encontrar nelas os quadros e as estátuas pintadas que outrora as ornavam, sendo que nos museus eles estão arrancados do seu enquadramento e colocados em condições totalmente diferentes daquelas para que foram criados.

Vitrais como os de Chartres ou de Saint-Denis, por exemplo, nos permitem imaginar a intensidade e a perfeição das cores medievais, confirmando o que se pode ver em manuscritos de miniaturas, ciosamente guardados (talvez ciosamente demais) nas nossas bibliotecas.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


Vídeo: as catedrais góticas no pincel do artistas







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